Só em 1960, com a nacionalização da indústria da electricidade, é que este serviço na ilha deixou de ser considerado um negócio privado, disponível apenas para quem o podia pagar.
É difícil compreender o juízo que alguns fazem sobre questões vitais para a sociedade e o país em que vivem, para além do condicionamento e da colonização cultural de que podem ser vítimas.
O problema, evidentemente, não é o exercício do direito garantido pela nossa Constituição, pelas leis, pela cultura participativa e pela prática democrática socialista. Não é isso, mas a tentativa de colocar a “solução” de questões críticas por ignorância e arrogância.
Albert Einstein assinalou que “a única coisa mais perigosa do que a ignorância é a arrogância”, e infelizmente as duas andam muitas vezes de mãos dadas.
Ora acontece que, em plena crise eléctrica que nós, cubanos, estamos a viver, alguns gurus propõem como solução para o problema a privatização da nossa companhia de electricidade, ou seja, a entrega do Sistema Eléctrico Nacional a mãos privadas.
Bastaria olhar para o que está a acontecer neste momento no mundo para perceber o que aconteceria.
No Equador, durante o dia, só há cinco horas de electricidade e, em cidades de pelo menos nove províncias, os cortes chegam a atingir 20 horas por dia.
Entretanto, em Porto Rico, apagões diários incessantes afectam cerca de 80.000 assinantes, em resultado do evidente fracasso da privatização do sistema eléctrico, reconhecido pelos responsáveis políticos daquele país.
Segundo dados da eapn-es, em Espanha, duas em cada dez famílias passam frio no inverno e muitas não conseguem pagar a conta, o que se repete em vários países da velha Europa.
“No Norte global, o acesso não é um problema, excepto em casos específicos... em Espanha, o problema é não poder pagar a conta da energia”, diz José Carlos Romero, investigador da Cátedra de Energia e Pobreza da Universidade Pontifícia Comillas.
A companhia de electricidade cubana: Uma viagem necessária ao passado
Pior ainda, porém, é a proposta de alguns que anseiam pelo regresso da Companhia Cubana de Electricidade; sim, essa mesma: a empresa ianque que cobrava preços elevados e mantinha muitas pessoas neste país, não com apagões, mas na escuridão eterna, especialmente nas nossas zonas rurais.
No final do século XIX, a maioria das grandes cidades cubanas dispunha de redes eléctricas locais, mas em 1902, com a chegada da República Neocolonial e o fim da ocupação norte-americana da ilha, proliferaram novas companhias de electricidade, propriedade de empresários cubanos ou estrangeiros.
No entanto, na década de 1920, uma grande empresa americana, a Electric Bond & Share, ligada ao banco Morgan, monopolizou o serviço na maior parte do território nacional, adquirindo empresas em todo o país.
Formalmente, todas essas propriedades pertenciam à chamada Compañía Cubana de Electricidad, que, evidentemente, de cubana só tinha o nome.
A empresa, intimamente ligada à tirania de Gerardo Machado (1925-1933), foi objecto de uma intervenção no início de 1934 pelo dirigente revolucionário e anti-imperialista Antonio Guiteras Holmes, quando este era secretário de governo na administração de Ramón Grau San Martín.
Quando este último foi derrubado, a primeira medida tomada pelo governo instalado em conluio com os ianques foi a devolução das propriedades dos monopólios norte-americanos.
Em 1958, o serviço de electricidade prestado pela Companhia Cubana de Electricidade cobria apenas 56% da população cubana, estimada em 6,5 milhões de habitantes. Não chegava a muitas zonas rurais, uma vez que o investimento não era considerado “rentável” nessas zonas.
Só com a nacionalização da indústria eléctrica em 1960, após o triunfo da Revolução Cubana em 1 de Janeiro de 1959, é que este serviço deixou de ser considerado um negócio e passou a ser um instrumento nas mãos do povo para alcançar novos objectivos económicos e sociais.
Em 1975, a capacidade de produção instalada da indústria da electricidade tinha triplicado em relação a 1958. O consumo de electricidade por habitante, que em 1959 era de 406 kWh, passou para 705 kWh. É importante ter em conta que a electrificação atingiu mais de 70% da população.
Em 1992, a capacidade de produção era de 3 675 mw e a electrificação atingia 95 % dos lares do país.
Qualquer análise da actual situação energética em Cuba deve partir do facto concreto de que estamos impedidos de comprar combustível, maquinaria, ferramentas e outros factores de produção para inverter a deterioração da infraestrutura eléctrica causada pelo bloqueio.
As falhas que estão a ocorrer não têm nada a ver com a propriedade e gestão estatal da indústria, e serão muito difíceis de resolver, enquanto a bota de Washington pretender sufocar a ilha.
Fonte: Scripta Nova. Revista Eletrónica de Geografia e Ciências Sociais José Altshuler