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Cuba: a nação e os símbolos

A bandeira foi hasteada pela primeira vez pelo anexionista Narciso López, mas desde que os Mambises a tornaram sua, desde que foi hasteada pela primeira vez num acampamento em Cuba livre, tem sido o símbolo de uma nação soberana, disposta a pagar o preço dessa soberania com sangue.

Já em 1805, Thomas Jefferson, o terceiro Presidente dos Estados Unidos e um dos Pais Fundadores da nação, referia a necessidade de ocupar militarmente Cuba em caso de guerra com Espanha como a única forma de garantir a segurança da Florida Ocidental e do Louisiana.


Uma vez fora do cargo e numa carta ao seu sucessor e amigo James Madison, volta a insistir na ideia de Cuba e acrescenta um elemento: a possibilidade de defender a ilha sem uma marinha, algo de que a União carecia na altura e que era vital face a potências como a Inglaterra e a França, interessadas em apoderar-se do espólio colonial americano que escapava por entre os dedos de Espanha.


Cuba era, assim, para Jefferson, o nec plus ultra das suas aspirações territoriais nesse sentido. O limite extremo fixado a leste pelas capacidades da jovem nação no início do século XIX.


A expansão para ocidente e o consequente desenvolvimento industrial fizeram com que, no final do século XIX, os Estados Unidos estivessem em condições de arrancar à Espanha, por meios militares, o fruto que, através de ameaças, subornos e hábeis manobras diplomáticas, tinham ajudado a manter nas mãos dos mais fracos. Exausta, sem sangue e sem recursos para manter uma frente nas Caraíbas e outra no Pacífico, a Espanha acabou por ceder as suas últimas possessões coloniais: Cuba, Porto Rico, Filipinas e as ilhas Guam.


Começava uma nova etapa na expansão do imperialismo americano, em que a ocupação militar violenta alternava com a penetração do capital americano e o seu entrelaçamento com as artérias vitais de cada nação.


Esta expansão dos Estados Unidos incluiu também um firme processo de influência ideológica, cujas armas e estratégias foram sendo aperfeiçoadas ao longo do século XIX e encontraram a sua forma mais completa nas indústrias culturais do século XX.

Este processo tinha como objectivo favorecer e determinar o aparecimento de tendências anexionistas ou pró-americanas nas regiões ou povos que progressivamente ficavam sob a sua esfera de influência.


No caso de Cuba, o anexionismo teve um início precoce. Ramiro Guerra, na sua importante obra La expansión territorial de los Estados Unidos (Ciencias Sociales, 2008), de onde foram retirados muitos dos dados acima referidos, aponta as circunstâncias sociais e políticas criadas em Cuba em resultado da revolução no Haiti e o consequente aumento da importação de mão de obra escrava para aumentar a produção de açúcar e assim ocupar o lugar da antiga colónia francesa no mercado mundial como um elemento fundamental desse anexionismo precoce.


O conflito entre os cubanos liberais e os proprietários de escravos sobre a escravatura levou estes últimos a desenvolver a teoria do "equilíbrio das duas raças". Na sua essência, esta teoria defendia que, enquanto houvesse uma maioria de negros na ilha, os crioulos seriam cautelosos em relação à insurreição por receio de uma rebelião de escravos. Ramiro observa:


"Deste novo dilema surgiu, em primeiro lugar, o movimento anexionista. Se a independência apresentava perigos, pelo menos a liberdade, a segurança interna e a paz podiam ser alcançadas através da anexação aos Estados Unidos. Esta solução tinha uma dupla vantagem: satisfazia os plantadores - que começavam a recear a abolição da escravatura por pressão da Inglaterra - e os proprietários de escravos dos Estados do Sul da União Americana. No entanto, levantava outra grande contradição. A anexação acabaria por levar à destruição da nacionalidade nascente de Cuba".


As décadas de 1940 e 1950 em Cuba foram um período de grande vitalidade para o movimento anexionista que, devido às suas ligações iniciais com a escravatura, começou a definhar após a derrota dos estados do sul na Guerra Civil Americana.


A independência tomou o seu lugar e escreveu com sangue e heroísmo algumas das mais belas páginas da história cubana. Neste grande ato de independência do século XIX, concretizou-se a essência da identidade que há quatro séculos fervilhava na ilha de Cuba. Em 1868, a ilha de Cuba e a península estavam definitivamente fracturadas. A Paz do Zanjón foi uma sutura precária que estava destinada a não durar.

Neste processo turbulento que durou até à ocupação americana em 1898, foram definidos os grandes símbolos da nação, símbolos da independência: a bandeira, o brasão, o hino, os heróis com José Martí à cabeça. Pode argumentar-se que a bandeira foi hasteada pela primeira vez pelo anexionista Narciso López, mas desde que os Mambises a tornaram sua, desde que foi hasteada pela primeira vez num acampamento em Cuba livre, era o símbolo de uma nação soberana, pronta a pagar com sangue o preço dessa soberania.


O projecto anexionista foi revigorado na República neocolonial, adaptando-se, naturalmente, à nova forma de dominação. O servilismo político, económico e cultural encontrou a sua contrapartida digna nos herdeiros do espírito independentista do século XIX. O projecto de independência nacional adquiriu nas mãos de Mella, Villena, Guiteras, Pablo de Torriente, um marcado carácter anti-imperialista que não tinha tido, com a excepção premonitória de Martí e alguns outros, no século anterior.  


Já nessa altura, a luta em torno dos símbolos fundamentais da nação estava a tomar forma, uma luta que, com variações, continua até aos dias de hoje. A posição assumida em relação a estes símbolos fala, no essencial, do projecto de nação que se subscreve. Assim, o Martí revolucionário e vivo de Mella e Villena opunha-se ao Martí formal assumido pelas administrações da época ou ao Martí manchado pelos marines ianques e pelas suas figuras locais.


O desrespeito pelos heróis nacionais cubanos, o escárnio, a agressão aos seus bustos e monumentos que se tem vivido em Cuba nos últimos anos, fazem parte da mesma agenda anexionista que, com variações de século para século, continua a servir os mesmos interesses. Minar os alicerces ideológicos, substituir um universo de representações por outro, deslocar o horizonte cultural para formas aparentemente inócuas, mas por detrás das quais se esconde e reproduz a lógica de dominação do capital, são premissas fundamentais para o desmantelamento de qualquer projecto nacional.


No campo de batalha ideológico-cultural, que é hoje um dos mais importantes, temos de defender inteligentemente as nossas verdades, contra-atacar adequadamente e ser capazes de definir a nossa própria agenda de debate.

Fonte:

Autor: José Ernesto Nováez Guerrero

José Ernesto Nováez Guerrero

Escritor e jornalista cubano. Membro da Associação Hermanos Saíz (AHS). Coordenador da secção cubana da Red en Defensa de la Humanidad (Rede em Defesa da Humanidade). Reitor da Universidade das Artes

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