Os eleitores norte-americanos elegeram o republicano Donald Trump como o seu próximo presidente depois de uma campanha que muitos especialistas descreveram como atípica.
O panorama era ameaçador, com dois ataques ao candidato republicano e uma mudança quase de última hora no nomeado democrata. A disputa acelerada entre Trump e Kamala Harris terminou a 5 de Novembro e o resultado não foi irrelevante para Cuba.

Em análise à Prensa Latina, a investigadora e professora do Centro de Estudos Hemisféricos e dos Estados Unidos (Cehseu), Dalia González Delgado, explica que "as relações entre os dois países são extremamente complexas, e têm uma raiz histórica de natureza estrutural que não depende das circunstâncias actuais".
"É o resultado da interacção entre projectos nacionais específicos: a construção de um poder hegemónico por parte dos Estados Unidos, presente desde a fundação do país, e um projecto de nação soberana em Cuba, um território que também se encontra no ambiente geopolítico imediato do governo norte-americano", acrescenta González.
São dois projectos nacionais destinados a entrar em conflito desde a sua formação, mas isso não significa que o resultado das eleições seja irrelevante, nem que não possa haver melhores relações do que as que temos neste momento, diz.
"De facto, passámos por diferentes fases, com momentos de maior ou menor conflito, e a história tem demonstrado que é possível haver diálogo e cooperação em questões de interesse comum".

Campanha atípica
Foi uma campanha atípica, com a mudança quase à última hora de um candidato que é também o presidente em exercício e os fenómenos de violência, sublinha a professora de História dos EUA na Universidade de Havana.
Mas estes fenómenos também não são novos, explica.
“Estou a pensar, por exemplo, no assassinato de Robert F. Kennedy em 1968. De facto, muitos traçaram paralelos entre o contexto eleitoral de 1968 e o de hoje. Claro que há muitas diferenças, mas também há semelhanças que têm a ver com cenários de crise”.
Além disso, esta não é a primeira vez que os Estados Unidos vivem uma situação de turbulência política a meio das eleições, recorda González.
“Ao longo da história dos Estados Unidos, houve outros momentos de tensão e conflito em eleições presidenciais, desde a eleição de Abraham Lincoln em 1860, que precedeu a Guerra Civil, até à turbulência das eleições de 1968, em plena Guerra do Vietname e movimentos pelos direitos civis. Estou também a pensar na eleição de 2000, por exemplo”, recapitula.
O mais preocupante é que esta violência faz parte de um processo de crise que o país está a atravessar, uma crise estrutural. E os acontecimentos a que estamos a assistir são expressões disso mesmo. Pensemos, por exemplo, em algo tão recente como o assalto ao Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021”, explica o investigador.
Polarização nos Estados Unidos
Muitos especialistas concordam que a profunda polarização que existe no país é uma das principais causas desta crise.
A Prensa Latina questionou a especialista sobre este fenómeno: “É assim ou atribui-lhe outros fenómenos?
“A polarização política é, sem dúvida, um dos factores mais importantes que explicam o ambiente conflituoso da atual campanha presidencial, mas não é a única explicação”, responde.

Nestes casos, é importante compreender os factores conjunturais e estruturais que conduziram a esta situação, acrescenta.
“A polarização política nos Estados Unidos tem raízes profundas que remontam, pelo menos, à década de 1970, um período que, em muitos aspectos, marcou um ponto de viragem na história do país”, afirma.
As causas do fenómeno são múltiplas e vão desde as mudanças institucionais às mudanças no eleitorado, passando pelo Gerrymandering e pelas transformações partidárias.
“É também muito importante salientar que o aumento da desigualdade tem sido um dos factores que tem aumentado a polarização na sociedade americana”.
“Temos também de falar de outros fenómenos, como o populismo, especialmente o populismo de direita, que não é algo de novo e, neste século XXI, podemos relacioná-lo com os efeitos da crise económica de 2007.
Pense em como, por exemplo, com o aumento do desemprego, os imigrantes foram responsabilizados pelos problemas, o que também contribuiu para o apoio aos líderes populistas de direita que prometeram proteger os empregos americanos.
Neste caso, poderíamos mencionar a ascensão do Tea Party em 2009, como reacção à crise económica e à eleição de Barack Obama, o primeiro presidente afro-americano.
“Também o movimento Alt-Right, conhecido pelas suas opiniões controversas, enfatiza particularmente o nacionalismo branco e a retórica anti-imigração. Promovem ideias de superioridade racial e cultural e vêem os imigrantes como uma ameaça à identidade nacional”, diz.
E menciono estes dois exemplos porque foram o terreno fértil para a eleição de Trump em 2016, cuja campanha capitalizou medos e preconceitos de longa data, como o nativismo e o racismo. É por isso que falei anteriormente de fenómenos conjunturais e estruturais.
O panorama a que assistimos hoje nos Estados Unidos faz parte de uma crise estrutural, que tem a ver com o esgotamento da capacidade de reprodução do sistema como um todo, diz ele.
“Isto exprime-se através da crise económica e política, da crise de legitimidade das instituições, da perda de confiança dos cidadãos nas instituições e nos políticos.
“Crise em todas as dimensões da vida da sociedade, e isso inclui, naturalmente, o processo eleitoral”, afirma.
Cenário político com Cuba
Em relação a Cuba, muitas questões se colocam, especialmente se o cenário político pode ou não mudar.
Para González, essa é uma pergunta recorrente durante os processos eleitorais, “mas é uma pergunta muito difícil porque há muitos cenários possíveis”.
“Eu poderia responder com outras perguntas: qual seria a natureza dessa mudança, quando aconteceria e a que velocidade? É muito difícil responder a isso neste momento, porque depende de muitos factores que mencionei anteriormente”.
Mas nunca se deve perder de vista o facto de que algumas coisas nunca mudarão enquanto os dois países defenderem os seus respectivos projectos nacionais, diz ele.
“A política de Estado dos Estados Unidos em relação a Cuba tem sido essa, primeiro a procura, depois a preservação e, por fim, a recuperação do seu domínio”, afirma.

"Por isso, sempre, no caso de Cuba, penso que o mais sensato é prepararmo-nos para todos os cenários possíveis, com qualquer candidato ou presidente em funções", conclui.
Fonte:
Autoras:
Amelia Roque
Yolaidy Martínez
Laura Esquivel