Pergunto-me em que momento deixámos de nos preocupar com as pessoas, quando é que perdemos esses valores da sensibilidade, de sermos educados, gentis, empáticos, solidários? A transição da perda das virtudes, do afecto, foi feita sem anestesia e, se compararmos a sociedade cubana de hoje, no ano de 2023, com a de 1990, podemos ver que já estamos muito diferentes. O desinteresse é visível em todo o lado, na vizinhança, nas instituições, nas empresas privadas, nos serviços do Estado.
Falo deste período porque foi o que eu vivi. Certamente que os meus avós teriam pensado que nos anos 90 já estávamos muito mal e que em 1970 as coisas eram diferentes, porque, claro, as regras e os costumes também mudam, evoluem, mas agora vejo como tudo está a regredir a um ritmo vertiginoso.
No entanto, só tenho a minha própria experiência. Há trinta anos, a sociedade cubana também parecia estar no limite, porque estávamos a passar por dificuldades, era uma época de grandes dificuldades, baixa produção, migração, cerco do exterior, isolamento e nenhuma ajuda. Mas não me lembro de tantos acontecimentos negativos como agora, e nessa altura também ia à escola, ao hospital, andava nas ruas e vivia numa comunidade, ou seja, posso comparar.
As pessoas não eram particularmente felizes porque eram mal alimentadas e, por isso, quase toda a gente era muito magra, apesar de a sua constituição ser diferente. Era comum usarmos roupa feita em casa, os sapatos - muitas vezes só um par - eram para tudo e os nossos pais remendavam-nos para que aguentassem todas as caminhadas devido à falta de autocarros porque o importante era usá-los limpos e proteger os pés. E o sol era igualmente cruel no verão, e os cortes de electricidade eram muito cansativos. Também enfrentámos dificuldades no acesso aos medicamentos e aos abastecimentos, e semelhantes foram todos esses males que hoje nos culpam por sermos como somos.
Ah, mas eram outros tempos, ou éramos outras pessoas? Quando é que nos tornámos tão duros que nos transformámos em pedra?
E falo de tais circunstâncias da vida porque geralmente quem sabe, e quem não sabe, acredita que em parte a economia modifica o ser humano, e as condições naquela altura não eram privilegiadas, cada família vivia na necessidade e estava marcada para sempre por ter resistido ao pior até àquele momento. Por isso não percebo como é que antes éramos - penso eu - melhores em termos de sentimentos.
Lembro-me que, ao descer a rua, os desconhecidos cumprimentavam-nos e perguntavam-nos como estávamos, como se realmente se importassem, diziam "com licença, por favor, com licença, obrigado"; e se o vizinho inventava uma receita com a famosa pasta de ganso, dava-nos a provar com orgulho como se moldava aquela massa amorfa. A solidariedade sempre me chamou a atenção, e funcionava assim, pelo menos à minha volta, e desconfio que funcionava da mesma forma com os outros, embora haja sempre ovelhas negras, porque naqueles tempos, no passado, nestes tempos e no futuro, sempre houve, há e haverá, mal-criados, mal-educados, bandidos, todo o tipo de coisas. A minha percepção é que não estava tão superlotado. Teria de ser efectuado um estudo multidisciplinar para se chegar a conclusões científicas sobre o assunto.
Lembro-me com muita saudade da Lili, a auxiliar de ensino da minha escola primária Augusto Olivares, que me levava para sua casa e me oferecia o pouco que tinha, um refrigerante, papel e lápis para desenhar, ou a televisão a preto e branco para ver os desenhos animados até os meus pais chegarem às 1500 porque trabalhavam muito e longe; ou o professor de xadrez, Andy, quando eu estava na segunda classe e ele me ralhou por ter perdido os 20 centavos do MTT e pagou por mim com uma doçura tremenda só para acalmar a minha frustração afogada em lágrimas por ter perdido a moeda. Em ambos os casos, refiro-me não tanto ao episódio de ternura, mas ao facto de que, sem compromisso, não se limitaram a dar-me palmadinhas na cabeça para me encorajar, mas envolveram-se, com simpatia. Será que antigamente tínhamos mais tempo para o afecto social? Chamar-lhe de alguma forma esse comportamento raro de sentir e agir com empatia, de acompanhar ou fazer o bem sem olhar a quem.
Analiso também que não tive um único professor que gritasse para impor respeito, nem a mim que era um pão, nem aos irrequietos Eugenio e Raúl. Aparentemente, educar nessa altura era um conceito mais holistico. Também não me lembro de um único momento de bullying, dito por uma menina de quatro olhos com trotinetes e acne, uma criança mimada com ligas nas pernas até à cintura, quase eremita e apática socialmente, com todas as características injustificáveis para a troça; mas também havia altos, gordos, magros, pretos, mulatos, albinos, com dentes grandes, nariz adunco, ou seja, um mundo tão diverso como o de hoje, e as crianças não pareciam prestar atenção a essas superficialidades. Hoje a história é diferente, e a que é que ela deve responder? Eu diria que à educação, aos padrões impostos, à repetição de comportamentos.
Compreendo que em casa, na escola, e mesmo na rua com os transeuntes, recebíamos outros conteúdos sob a forma de valores que nos faziam aprender a proceder de acordo com o contexto, a responder educadamente a um cumprimento, a calar, a fazer o bem ajudando os outros, a ser generosos, a não abusar dos outros quer com piadas quer com actos. Condenámos o mal, castigámos o egoísmo, recompensámos o positivo.
Não tenho nenhuma solução para dar. Falei muitas vezes com outros e perguntei-me como é que podemos voltar a ser bons, mas não sei.
À medida que entramos na espiral do abismo dos valores, sinto que estamos num círculo vicioso do qual é difícil sair. Sair da miséria sempre foi para mim extremamente complexo, sobretudo quando estão envolvidos tantos factores, pois a educação do bem é alimentada por todos. Portanto, sem o exemplo dos nossos pares, será quase impossível imitarmos os hábitos, e depois o desgaste também faz com que não cumpramos o que interiorizámos, que deixemos de nos preocupar em ser bem comportados e em ir ao encontro dos outros.
Preocupa-me o que será das próximas gerações se formos cada vez menos gratos e recíprocos, o que é que vamos legar aos outros, que sociedade sórdida criámos com a preguiça e o conformismo?
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