O rapaz é mais do que conquistado pela admiração, é maravilhado. Sente-se um olímpico sem ter ainda dominado a essência do olimpismo.
A grande maioria das pessoas reunidas no ginásio Eduardo Saborit, no dia 22 de Agosto de 1963, é a mesma, inclusive este repórter, que está na profissão há apenas seis semanas e cobre a inauguração dos I Jogos Escolares Nacionais para a revista Mella. No brilho dos olhos do jovem atleta citado acima, o novo jornalista encontrou o mesmo arrepio nos olhos de todos os futuros competidores aqui reunidos: eles imaginam-se campeões sem sequer terem começado a disputar a competição.
Como conduzir o que observo e aprecio, interroga-se preocupado, enquanto conversa com vários atletas e toma notas. Tudo isto exige ir muito além da publicação da ordem correcta da presidência e de outros dados, acrescenta às suas reflexões. Para já, recorda que o palco de abertura, hoje repleto de alegria, era um antro de perdição dominado por apostadores e empresários: o chamado Cinódromo de Marianao, onde se realizavam corridas de cães com cães mais humanos do que as feras que os faziam correr, ligados a várias corrupções. O mesmo acontecia com as corridas de cavalos, as lutas de galos e o Jai Alai Fronton, que enchiam de insultos de dinheiro uma bela disciplina no bairro de Cayo Hueso. Ah, se por vinte pesos os lutadores pagos entrassem no ringue para se matarem uns aos outros e alienarem os espectadores com o seu ódio.... Acabou-se!
Falando com o jovem, ele sabe que o seu interlocutor preferiu o domínio dos objectivos para os evitar. Ele já não tinha de assistir, agarrado a uma vedação, às aulas de educação física e aos topos desfrutados nas escolas públicas, enquanto eles, os de baixo, na sua villareña Encrucijada natal, não tinham de jogar em tais condições, se é que tinham de o fazer. Agora, na sua bolsa de Havana, até chutam cocos por falta de bolas; conhecem o futuro do alto da rede e, com remates ou defesas, semeiam sonhos. Um grande burburinho quebra o ritmo destas conversas consigo mesmo. Aí vem o homem que lidera as transformações muito para além das lides do músculo. Não podem desaparecer, senão definhamos todos: Fidel, Fidel, Fidel! O seu nome repetido não vem das gargantas: sobe das almas.
Finalmente, o silêncio: fala o nosso melhor pedagogo: "Este dia em que se iniciam os Primeiros Jogos Escolares com a participação de jovens atletas de todas as províncias e de todos os estabelecimentos de ensino do nosso país, marca uma nova etapa, uma nova época no nosso desporto.... O desporto ajuda a saúde. O desporto torna-nos fortes não só fisicamente, mas também moralmente. Torna o carácter forte, torna a vontade forte. O desporto constrói músculos, educa o carácter, desenvolve a inteligência, torna os cidadãos mais saudáveis e mais bem preparados em todos os sentidos...".
Ele assegura: "Entre aqueles que deram provas de tenacidade no desporto, as condições dos desportistas, de entre vós sairão amanhã campeões que defenderão orgulhosamente a bandeira da pátria revolucionária nas competições internacionais.... Como esta sociedade é superior àquelas em que o desporto e a educação eram privilégio de poucos...".
Afirma: "Temos de combinar a condição de bom aluno e de bom atleta com a condição de bom revolucionário.... Se juntarmos em cada jovem a condição de bom atleta e de bom estudante (...) estaríamos a realizar uma aspiração, estaríamos a atingir um objectivo que beneficiaria extraordinariamente os nossos jovens e que formaria uma geração magnífica, uma geração muito mais apta para a vida em todos os conceitos do que as gerações anteriores...".
Como o tempo passou! O adolescente de olhar trémulo assimilou muito bem o discurso do Comandante-em-Chefe. José Francisco Reinoso revigorou as suas qualidades humanas e atléticas. Tornou-se o melhor guarda-redes de futebol cubano de todos os tempos. Um bom estudante, um bom desportista, um bom revolucionário. Não deve ser acorrentado a estatísticas competitivas, por muito positivas que sejam, embora mereçam ser referidas: é muito mais do que isso. Dezenas de prémios escolares e juvenis. Participante mais destacado dos IV Jogos no desporto e no ensino. Vice-campeão pan-americano em San Juan 1979. Bronze em Cali 1971. Titular nos Centrocaribes do Panamá 1970, Santo Domingo 1974 e Medellín 1978. Guarda-redes da nossa selecção nacional nos Jogos Olímpicos de Montreal 1976 e Moscovo 1980. Entre os dez atletas mais destacados do ano numa ocasião.
José Reinoso
Estudou jornalismo ao mesmo tempo que lutava no campo de futebol. Trabalhou na Juventud Rebelde e no ICRT. Actualmente é revisor de provas na Prensa Latina. Digno comissário nacional de futebol durante vários anos. Foi presidente do círculo de jornalistas desportivos da Maior das Antilhas e representou-as no plano internacional. Quando o referido jornalista, já octogenário, teve de renunciar ao seu cargo de presidente do sector desportivo da União de Historiadores de Cuba, por motivos de saúde e dificuldades de transporte, pensou no seu entrevistado de então. Propõe-no. Foi aceite por unanimidade.
José Francisco não é perfeito, embora as suas virtudes estejam acima da lasca de um defeito. Quem não perde um penalty nos lances da vida? Pablo de la Torriente Brau, com a sua magnífica prosa, deixou claro que essa perfeição só existe nos maus filmes de Hollywood. Nicolás Guillén, no seu poema sobre a pureza, tão bem aproveitado por Calendario, iluminou a questão. Duas das muitas atitudes do grande guarda-redes retratam-no.
Numa reunião entre a imprensa e vários dirigentes, um jovem jornalista pronunciou-se contra a afirmação de um alto funcionário de que o futebol cubano não estava a progredir. Depois de uma forte polémica, Reinoso, ainda guarda-redes da equipa principal, assinalou e provou que o jornalista tinha razão. Poucos meses depois, o guarda-redes, devido à sua idade, foi afastado da sua selecção nacional... Que coincidência...! O mais importante: a sua eterna recusa em ser contratado por alguns países, mesmo no meio da sua injusta separação da grande equipa, para fazer parte das suas selecções nacionais. "Nunca jogarei contra o meu país", respondeu. Aliás, apesar de viver em Havana, nunca jogou contra a equipa de Las Villas.
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