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Existe um sistema democrático no Irão?

Se quisermos fazer uma comparação, poderíamos dizer que a democracia ocidental visa a separação de poderes, enquanto no Irão o sistema visa o equilíbrio de poderes.

É geralmente assumido que o conceito de democracia tem um carácter universal a partir do protótipo ocidental, que teve o seu início em Atenas há cerca de 25 séculos, e adquiriu as suas características modernas após o triunfo da Revolução Francesa em 1789. Alguns anos antes, a independência americana tinha levado à redacção da Constituição americana em 1787 e à sua implementação em 1789.


A força transformadora da França revolucionária no final do século XVIII e o potencial económico dos Estados Unidos, que alcançaram a primazia mundial na penúltima década do século XIX, transformaram gradualmente os paradigmas emanados destes acontecimentos históricos em quase "verdades absolutas" para o Ocidente e, eventualmente, para todo o mundo.


No entanto, os processos modernizadores adquiriram singularidades, ritmos e definições próprias, em função das características idiossincráticas, das concepções filosóficas e dos fundamentos históricos de cada região e país do planeta. O não reconhecimento e, pior ainda, a não aceitação dessa verdade inspira práticas agressivas e intervencionistas de países poderosos que tentam impor sua lógica por quaisquer meios, inclusive os que emanam do uso da força.


Mas a democracia é muito diversa. Vou dar alguns exemplos para recriar esta afirmação. Nos Estados Unidos, os cidadãos não elegem o seu presidente, mas elegem eleitores que o fazem por eles. O problema é que, excepto em dois Estados (Minnesota e Maine), pode acontecer que a decisão de metade dos eleitores não valha nada, porque o vencedor recebe o voto de todos. Isto permite que um presidente seja eleito por uma minoria, como aconteceu em 2000, quando George W. Bush foi eleito apesar do facto de Al Gore ter obtido mais votos populares.

Nas recentes eleições britânicas, o partido Reform UK obteve cinco deputados com 14,3% dos votos, o mesmo número que o partido Democrático Unionista, que obteve apenas 0,6% dos votos. Da mesma forma, o partido Liberal Democrata, que obteve 12,2% dos votos, conseguiu 72 deputados. Como se vê, a matemática eleitoral é muito estranha, sobretudo quando se diz democrática.


Em França, com o objectivo de perseguir objectivos macro, tanto a esquerda como a direita (gozando com os seus eleitores) anunciaram que, na segunda volta, os terceiros candidatos da primeira volta não participariam. Sem querer fazer juízos de valor em termos políticos (neste caso, que era preciso impedir a vitória da extrema-direita), em termos do que se convencionou chamar "democracia", que, segundo a sua definição, é o governo do povo, convém lembrar que ela se exprime através do voto, que, neste caso, foi violado. Esta situação, que quase se impôs como norma, inaugurou o conceito de "mal menor", quase sempre para gáudio da extrema-direita não fascista.


No Chile, chegámos ao absurdo de um candidato que foi eleito com um programa de esquerda e governa com um programa de direita, o que já é comum no Peru, onde sete dos últimos oito presidentes fizeram campanha com uma proposta e governaram com outra.


Todas estas situações têm origem em situações que não é relevante discutir neste artigo. A minha intenção é colocar em cima da mesa o facto de que quando falamos de democracia estamos a referir-nos a um conceito em construção, inacabado, díspar, heterogéneo, no qual não é viável estabelecer legitimidades únicas. Para já é uma utopia desejável, pela qual vale a pena lutar.

Nas recentes eleições britânicas, o partido Reform UK obteve cinco deputados com 14,3% dos votos, o mesmo número que o partido Democrático Unionista, que obteve apenas 0,6% dos votos. Da mesma forma, o partido Liberal Democrata, que obteve 12,2% dos votos, conseguiu 72 deputados. Como se vê, a matemática eleitoral é muito estranha, sobretudo quando se diz democrática.


Em França, com o objectivo de perseguir objectivos macro, tanto a esquerda como a direita (gozando com os seus eleitores) anunciaram que, na segunda volta, os terceiros candidatos da primeira volta não participariam. Sem querer fazer juízos de valor em termos políticos (neste caso, que era preciso impedir a vitória da extrema-direita), em termos do que se convencionou chamar "democracia", que, segundo a sua definição, é o governo do povo, convém lembrar que ela se exprime através do voto, que, neste caso, foi violado. Esta situação, que quase se impôs como norma, inaugurou o conceito de "mal menor", quase sempre para gáudio da extrema-direita não fascista.


No Chile, chegámos ao absurdo de um candidato que foi eleito com um programa de esquerda e governa com um programa de direita, o que já é comum no Peru, onde sete dos últimos oito presidentes fizeram campanha com uma proposta e governaram com outra.


Todas estas situações têm origem em situações que não é relevante discutir neste artigo. A minha intenção é colocar em cima da mesa o facto de que quando falamos de democracia estamos a referir-nos a um conceito em construção, inacabado, díspar, heterogéneo, no qual não é viável estabelecer legitimidades únicas. Para já é uma utopia desejável, pela qual vale a pena lutar.

A República Islâmica do Irão, expressão actual do antigo império persa, herdou da sua história uma prática democrática que recorda que, há mais de 2000 anos, quase paralelamente a Atenas, estabeleceu um sistema político democrático constituído por duas assembleias: uma composta pelos altos responsáveis da sociedade (monarcas e suas famílias, generais e sacerdotes) e outra composta pelo povo. Quando era necessário tomar uma decisão importante, como declarar uma guerra ou outro acontecimento importante, as duas assembleias deviam ser consultadas. Esta situação já existia muito antes da introdução do Islão na Pérsia, no século VII d.C.


Vale a pena dar uma volta ao cenário geográfico do Irão para determinar a situação na região em termos de democracia: existem regimes monárquicos autocráticos protegidos por bases militares americanas em Omã, nos Emirados Árabes Unidos, no Qatar e na Arábia Saudita. O mesmo acontece com o Bahrein, o Kuwait e a Jordânia, excepto que são monarquias parlamentares. Em ambos os casos, os cidadãos nunca elegeram o seu chefe de Estado. No caso particular do Bahrein, uma minoria sunita protegida pela Quinta Frota dos EUA governa pela força uma maioria xiita.


O Iraque é uma democracia parlamentar, tal como a Síria e o Paquistão, este último protegido pelo exército e pelos poderosos serviços secretos. Sobre o Afeganistão não digo nada, toda a gente sabe quem são os talibãs. "Israel é uma "democracia sionista", propriedade dos judeus, enquanto a população palestiniana é marginalizada, perseguida, assassinada e excluída.

O Turquemenistão é um país fechado sobre o qual pouco ou nada se sabe. Isolado do mundo exterior, tem um governo com presidentes vitalícios. Não se tem conhecimento da realização de eleições desde 2007. O país declarou-se permanentemente neutro. O Azerbaijão foi governado de 1993 a 2003 por Heydar Aliyev, que cedeu o poder ao seu filho Ilham Aliyev, que permanece no poder até hoje. A Arménia é a única democracia estável da região.


Assim, se olharmos para o estado da democracia ocidental nesta parte do mundo, teremos de concluir que é bastante precário. O défice democrático, mesmo se medido a partir da perspectiva ocidental falhada, é bastante elevado.


Coloca-se então a questão de saber por que razão os EUA e o Ocidente defendem a democracia para alguns países e não para outros. Como se pode ver, o ambiente do Irão é constituído por uma maioria de países que não conhecem a democracia como expressão da decisão popular nas urnas. Em geral, o voto e a participação popular são inexistentes.


Vale a pena rever a forma como a democracia é verificada no Irão. Ela é confirmada com base em três premissas:


Na Constituição Nacional do Irão (CN), todas as autoridades devem ser eleitas.


Ninguém pode ser eleito a título vitalício. Todos os cargos têm mandatos limitados.

As eleições devem ser realizadas numa data estabelecida no CN, mesmo que o país esteja em guerra, como foi o caso entre 1980 e 1988, quando duas eleições presidenciais e duas parlamentares foram realizadas no meio de um grande confronto militar com o Iraque.


Numa situação inesperada como a que se criou recentemente com a morte do Presidente Raisi, a Constituição estipula que deve ser eleito um novo Presidente no prazo de 50 dias, o que foi feito. É de salientar que tudo isto se desenrolou num clima de extrema tristeza devido ao grande apoio popular que Raisi tinha.


O seu governo organizou as eleições, que foram ganhas pela oposição com uma taxa de participação de 40% na primeira volta e de quase 50% na segunda volta. A campanha foi conduzida num ambiente mediático totalmente equilibrado, com todos os candidatos a terem igual acesso aos meios de comunicação social.


As hipóteses de fraude são praticamente impossíveis. Todos os cidadãos maiores de 18 anos têm o direito de votar. Ao contrário do que acontece em muitos países ocidentais, onde os eleitores são afectados a uma secção de voto específica, no Irão podem votar em qualquer secção de voto. Quando o eleitor apresenta o seu bilhete de identidade, depois de ser reconhecido, tem direito a votar e o seu voto é registado electronicamente, anulando assim qualquer possibilidade de votar novamente noutro local.


Noutra zona, o período de votação a partir do momento em que os centros abrem é de 10 horas, que pode ser prolongado se ainda houver eleitores nas filas de espera à hora do fecho. No entanto, as assembleias de voto fecham inquestionavelmente à meia-noite.


Quem está presente nas assembleias de voto? Há três grupos de participantes: os funcionários eleitorais que, no Irão, são membros do Ministério do Interior e que realizam tarefas logísticas, os representantes dos candidatos, encarregados de verificar se não há favoritismo ou situações anómalas, e os funcionários de supervisão, que são membros do Conselho dos Guardiães, um órgão autónomo do Estado responsável por garantir que as eleições decorrem dentro do quadro constitucional.

Uma vez que estas três instâncias certificam em conjunto que as urnas estão vazias no início do processo, o processo decorre até à sua conclusão e à abertura das urnas com a presença também das três instâncias: a que conta, a que controla e a que supervisiona. No final do processo, é redigida uma ata que é assinada por todas as partes. Se houver reclamações, estas são enviadas através dos supervisores ao órgão competente, que é obrigado por lei a responder à contestação. Este modelo previne a fraude, garantindo a presença dos comandos de campanha dos candidatos e dos órgãos de fiscalização e controlo, que devem chegar a um consenso sobre a correcta condução do processo.


Uma vez contados os votos, o Comité Eleitoral do Ministério do Interior elabora um registo dos votos obtidos por cada candidato. Este órgão é o único autorizado a dar resultados oficiais. Estas actas são enviadas ao Conselho de Guardiães, que deve analisar as reclamações e as contestações. Se existirem, deve resolvê-las antes de emitir um relatório final. Se não houver nenhuma, dá luz verde ao Comité Eleitoral para anunciar o vencedor.


O líder supremo ratifica então a vitória do presidente eleito com base em duas considerações: que a participação do povo foi assegurada e que o resultado reflecte a decisão eleitoral do povo. Isto mesmo que os números mostrem um resultado diferente do que o Líder Supremo esperava, ou seja, quando (como neste último caso) o seu candidato preferido não foi eleito. No passado, isto já aconteceu quando Hashan Rohani foi eleito em 2013.

O presidente é eleito por um período de 4 anos e pode ser reeleito para um novo mandato. No momento da inscrição, o candidato deve ter entre 40 e 75 anos de idade. A tomada de posse do Presidente tem lugar no Parlamento, na presença dos presidentes do poder legislativo, do poder judicial e do Conselho dos Guardiães. O novo Presidente não pode impor ministros, apenas propô-los, cabendo à legislatura decidir se os aceita ou rejeita. Cada ministro proposto deve apresentar o seu programa ao Parlamento, que o aprova com um voto de 50% +1 dos membros da legislatura. Os ministros podem ser destituídos pelo Presidente ou pelo Parlamento com a mesma percentagem. Por sua vez, o Parlamento pode destituir o Presidente com a aprovação de 2/3 dos seus membros, como aconteceu com Abolhasan Banisadr em Junho de 1981.


É igualmente importante conhecer as instituições democráticas do Irão. O processo da revolução islâmica teve início em 11 de Fevereiro de 1979, poucos dias após a fuga do imperador Mohammad Reza Pahleví, que pôs fim à monarquia. Em 31 de Maio, realizou-se um referendo em que 98,12% da população votou a favor da instauração da República Islâmica. Em Agosto, iniciaram-se os trabalhos da Assembleia Constituinte, que redigiu uma nova Carta Magna, aprovada por referendo popular em 1 de Dezembro de 1979.

A Constituição do Irão está acima de tudo e de todos, incluindo o Líder Supremo (SL), que é o Comandante em Chefe das Forças Armadas e tem entre as suas responsabilidades a ratificação da vitória eleitoral e a demissão do Presidente. Cabe-lhe também declarar a guerra e o cessar-fogo, nomear o chefe do poder judicial e a Assembleia para o Discernimento da Coexistência do Estado (ADCE), que funciona como órgão consultivo do LS e é composta por 47 membros por ele nomeados.


É geralmente composta por antigos presidentes (de todos os quadrantes políticos), membros dos poderes do Estado e líderes políticos, militares, culturais, económicos e religiosos. Quando este órgão delibera, é normalmente convidado um cidadão com conhecimentos específicos sobre o assunto em causa. O mandato dos membros desta assembleia é de cinco anos.


Todas as sessões da ADCE são públicas, para que o povo possa saber o que nelas é discutido, mesmo as contradições que surgem entre os seus membros são do conhecimento público. Nunca aconteceu que o LS tenha demitido um membro da ADCE pelo facto de exprimir opiniões diferentes das suas. Isso seria inaceitável e constituiria um escândalo no seio das instituições do país,

Os outros órgãos do Estado incluem o poder executivo, o poder judicial (cujo líder tem um mandato de quatro anos) e o poder legislativo, cujos membros são eleitos por quatro anos e podem ser reeleitos duas vezes, e reformam-se por um mandato se quiserem candidatar-se novamente ao poder legislativo. Existe também uma Assembleia de Sábios, composta por 88 membros, peritos em conhecimentos islâmicos, conhecidos como aiatolás.


Os membros da Assembleia dos Sábios são eleitos por um período de 8 anos por voto directo do povo. As suas funções consistem em supervisionar o trabalho do líder supremo, demiti-lo se não puder desempenhar as suas funções e nomear um novo líder em caso de morte.


Por outro lado, a Constituição iraniana inclui o Conselho dos Guardiães (CG), composto por 12 membros eleitos por 6 anos, seis dos quais são constitucionalistas propostos pelo poder judicial ao poder legislativo, que os aprova, e os outros seis são aiatolás nomeados pelo Líder Supremo. As leis emanadas do poder legislativo devem passar sob o controlo do CG, que verifica a sua conformidade com as normas jurídicas e religiosas do Estado e as envia ao Presidente para promulgação.


Se uma lei não for aprovada pelo CG, é devolvida à legislatura para que esta corrija as observações. Se não houver acordo entre os dois órgãos, a lei é enviada para a Assembleia de Discernimento, que deve resolver o litígio.


Outras funções do Conselho dos Guardiães são a aceitação de candidatos para qualquer cargo estatal a eleger por voto popular, incluindo o presidente e os membros da Assembleia dos Sábios.

Os candidatos passam primeiro pelo Ministério do Interior, que os aceita ou não, e depois envia-os para a CG, que efectua uma verificação mais minuciosa e os envia de novo para o Ministério do Interior para que o processo eleitoral possa começar. Todo este processo (no caso dos candidatos à presidência da república) é designado por "Rayol Siasi", uma palavra persa que não tem tradução e que se refere, entre outras coisas, à eleição de pessoas com elevadas qualidades morais, educacionais, honestas e eficientes.


Tem acontecido que alguns candidatos foram aprovados pelo CG numa eleição e posteriormente rejeitados quando foram nomeados noutras eleições. Exemplos disso são Mahmoud Ahmadinejad, que foi Presidente da República entre 2005 e 2013 e foi posteriormente rejeitado quando se candidatou novamente. Do mesmo modo, Abdol Nasser Hearat, antigo presidente do Banco Central, cuja nomeação não foi aprovada apesar da sua alta investidura anterior, ou Eshagh Jahangiri, antigo vice-presidente da República que, numa eleição anterior, recebeu a aprovação do CG para ser candidato presidencial, mas que, numa ocasião posterior, viu essa possibilidade ser-lhe negada. Por outras palavras, a aprovação dos candidatos depende do seu comportamento em todos os momentos; as "glórias passadas" não têm qualquer valor.  


Se quisermos fazer uma comparação, poderíamos dizer que a democracia ocidental visa a separação de poderes, enquanto no Irão o sistema visa o equilíbrio de poderes. Assim, a Assembleia dos Sábios pode demitir o líder supremo. Este último nomeia os aiatolás do Conselho dos Guardiães e a autoridade máxima do poder judicial. Por sua vez, é o líder do poder judicial que nomeia os constitucionalistas para o Conselho dos Guardiães. Do mesmo modo, os candidatos à Assembleia dos Sábios devem ser aprovados pelo Conselho dos Guardiães.

Conclui-se que não existe nenhuma autoridade com poder eterno, nenhuma autoridade que não tenha sido eleita e nenhuma autoridade que possua um poder absoluto. Este deve ser partilhado através de um equilíbrio no funcionamento de todos, de modo a que ninguém esteja acima dos outros.


A democracia no Irão, como em qualquer país do mundo, não é absoluta nem infalível, é um processo em permanente construção, mas estabeleceu preceitos inamovíveis. Nas últimas eleições, um candidato da oposição ao governo foi eleito sem que a sociedade tenha sofrido qualquer trauma com isso.

A continuidade do processo, o seu carácter anti-imperialista e anti-sionista, o seu apoio à luta do povo palestiniano e ao eixo da Resistência, é garantida pelas linhas gerais estabelecidas na Constituição Nacional.

No entanto, o Presidente dirige e executa a política interna e externa do país e gere os elementos relevantes para a realização prática dessas políticas. Por exemplo, nas negociações com os Estados Unidos e a Europa, surgiram várias tendências que exprimem a diversidade política do país.


De facto, é muito provável que, neste domínio, o novo Presidente Masoud Pezeshkian mantenha parâmetros de conduta política diferentes dos do seu antecessor, mas que não alterem o rumo da revolução iraniana, como pretende o Ocidente numa tentativa de a enfraquecer e destruir.

Fonte:

Autor: Sergio Rodríguez Gelfenstein

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