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Viva a Eurovisão!

Expulsar a cantora israelita do concurso de música, ou suspender a sua participação no mesmo, privaria muitas pessoas de uma oportunidade única e simples de se aproximarem da realidade histórica, que a propaganda camufla com grosseiros apelos religiosos, semânticos e outros.

Deixando de lado o gosto duvidoso de muitas das canções e coreografias ali apresentadas, o recente Festival Eurovisão da Canção é muito útil para compreender o que se passa há mais de cem anos na Síria Natural, de que a Palestina faz parte.


Aqueles que se escandalizam com a participação de "Israel" neste concurso musical e pedem a sua expulsão definitiva do concurso estão enganados. Antes de mais, porque estão a confundir espaços geográficos com realidades étnicas e culturais e imposições político-militares. Não há entidade ou conceito mais europeu e, portanto, mais ocidental do que "Israel". É por isso que é membro de pleno direito do Festival Eurovisão da Canção. Expulsá-lo, além disso, significaria ocultar a sua origem espúria, o seu estatuto de estranho exclave colonial europeu em Bilad al Sham e no resto da Síria Natural.


Todos os anos, e mais ainda se, como este ano, a entidade sionista-europeia perpetrar acções como as de Gaza, o Festival Eurovisão da Canção, organizado pela televisão pública europeia, constitui uma oportunidade única para o grande público se colocar as questões fundamentais cujas respostas permitem compreender tal anomalia. A mesma oportunidade é oferecida pelas competições desportivas europeias em que "Israel" também participa, ou pelas actuações do Grupo de Estados da Europa Ocidental na ONU, ao qual "Israel" também pertence. Expulsá-lo destes organismos ou suspender a sua participação nos mesmos privaria muitas pessoas de uma oportunidade única e simples de se aproximarem da realidade histórica, que a propaganda camufla com grosseiros apelos religiosos, semânticos e outros.

Os sionistas e a sua criatura, a entidade israelita, não surgiram na Síria Natural por geração espontânea. Fizeram-no a partir do coração da Europa, o do romantismo alemão, onde no último terço do século XIX nasceram esta e outras ideologias supremacistas, excludentes e expansionistas. Mais tarde, foram projectadas para a Síria histórica graças ao imperialismo da França e do Reino Unido, cujo acordo secreto Sykes-Picot, de 1916, para dividir Bilad al Sham, lançou as bases para a "Declaração Balfour" de 1917, na qual o Reino Unido prometeu ao sionismo a criação de um Estado na Palestina. O nazismo alemão acelerou a transferência da população europeia para a Síria natural e a partilha da Palestina imposta em 1947 atraiu outros sionistas de todo o mundo, dos Estados Unidos à Argentina, da Rússia à Etiópia. E assim é até aos dias de hoje.


A Eurovisão, tal como as competições europeias de futebol ou de basquetebol, ajuda a compreender todo este processo. Este ano, a concorrente israelita afirmou chamar-se Eden "Golan".  Trata-se, evidentemente, de um apelido adoptado. A artista é de origem ucraniana e letã, sendo o seu verdadeiro apelido paterno Glagolev, com claras reminiscências bálticas e eslavas. Na realidade, a cantora estava a fazer o que muitos outros israelitas fizeram, especialmente aqueles com projecção propagandística, como o produtor e argumentista de cinema Menachem "Golan", na verdade Globus e, em alternativa, Joseph Goldman.  Ou o músico Eyal "Golan", na realidade Bitton. Como atestam os mais conceituados dicionários genealógicos de nomes de família, "Golan" ou "Golan" é "um apelido artificial adoptado por muitos israelitas" a partir do elemento geográfico cujo nome é "Planalto de Golan ou Colinas de Golan".


Acontece que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Golã é um território da República Árabe da Síria ocupado por "Israel" em 1967 e anexado pela entidade sionista em 1982.  Acções que violam o direito internacional e as resoluções 242 e 497 do Conselho de Segurança da ONU, que, respectivamente, apelam à retirada do Golã sírio ocupado e declaram a nulidade da anexação ilegal deste território, do qual dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas e a partir do qual "Israel" ataca o resto da Síria quase todas as semanas. Um território ocupado que, entre 2011 e 2018, foi a retaguarda dos grupos jihadistas que operam no sul da República Árabe da Síria. É conhecida a imagem do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, cujo apelido original polaco é Mileikowsky, a visitar membros destes grupos armados num hospital de campanha israelita no Golã sírio ocupado, em 2014.  

A participação da artista israelita na Eurovisão recorda que o projecto sionista-europeu, hoje apoiado pelo Ocidente colectivo liderado pelos EUA, assenta precisamente na ocupação de territórios alheios e no seu povoamento por não naturais de Bilad al Sham, cujos apelidos, como o da menina Glagolev, os traem. A sua simples presença no palco tornou-se uma glorificação consensual da ocupação de territórios alheios e da sua manutenção a sangue e fogo.


O facto de, ao contrário do que tem acontecido nos últimos dois anos com a Rússia por causa da Ucrânia, o concurso não ter vetado "Israel" expôs a hipócrita duplicidade de critérios da Europa. Também aquilo a que o chanceler alemão Olof Scholz e os seus antecessores chamam "raison d'état" para justificar a sua defesa sem restrições de "Israel", faça ele o que fizer. O melhor exemplo foi a imagem repetida de jovens hedonistas europeus a agitarem as bandeiras alemã e israelita em Malmo, a cidade sueca anfitriã do evento. Ao mesmo tempo que, obviamente, proibiam qualquer símbolo que lembrasse remotamente a Palestina e encobriam os assobios de Glagolev com aplausos enlatados no áudio da televisão. Uma acção desnecessária porque, na votação à distância do público, a israelita varreu o quadro, o que lhe permitiu ficar em quinto lugar entre os 26 participantes. Nada mau, de todo. Como diz o título da canção apresentada pela Espanha na edição de 2002, há mais de cem anos que a Europa vive em festa!  

Fonte:

Autor: Pablo Sapag

Pablo Sapag, Professor da Universidade Complutense de Madrid e autor de "Syria in Perspective".

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