50 anos depois da “Operação Carlota”
Considerada a façanha militar mais justa da história contemporânea de Cuba. Que sirva de lembrança e admiração para aqueles "Troperos" que marcharam na vanguarda. Aos muitos que conhecemos e com quem partilhámos. E a outros que, embora de referência, nos serviram de exemplo...
Começaremos por partilhar uma anedota pessoal com dois desses protagonistas, que marcou os nossos começos…
O nosso primeiro encontro com o oficial René Hernández Gattorno não foi nada agradável. Tínhamos apenas 18 anos quando entramos naquela guarita da unidade 20270 em Jaimanitas. Tínhamos acabado de terminar os Camilitos. Foi o general Patricio de la Guardia, no seu carro, com o seu então motorista El Chino, ou “Tio Nene” para nós, que, diante da nossa insistência, nos apresentou a Gattorno, na época chefe de quadros da Direcção Geral de Tropas Especiais do MININT.
Ele fe-nosz entrar em seu escritório, enquanto eles ficaram no corredor a conversar. Quando ele entrou, não houve saudação, ele soltou em modo de rajada algumas palavras fortes que nunca esqueci: “(…) o que você está a procurar aqui, Camilito, com um futuro pela frente e tão jovem. Aqui só há analfabetos que não gostam de estudar, que só sabem de guerra e atirar. Este não é lugar para você. Sai por aquela porta por onde entraste (…)”.
Naquela idade e diante daquele homem que impunha respeito com sua voz forte e autoritária, não havia muitos argumentos. Ele nem nos deixou reagir. Mas nós tínhamos certeza. Não era apenas o desejo de usar aquele uniforme com orgulho que nos motivava, mas algo que hoje é raro: a VOCAÇÃO.
Era isso que queríamos. Por isso, não nos afastaríamos dali. Supus que ele tinha coisas mais importantes para tratar, quando nos deixou por incorrigíveis e sorriu com relutância. Mandou o chinês entrar, escreveu-lhe um bilhete para entregar ao Patricio e pediu-lhe que me levasse para o vestiário, pois eu era um teimoso que não ouvia conselhos. Mas não sem antes voltar à carga: “Mas não se preocupem, eu vou fazer com que ele não dure um mês aqui”. Isso também não aconteceu.
Mais tarde soubemos que o general o havia “instruído” para nos fazer desistir, a pedido da minha MÃE, que, como qualquer mãe, não queria “isso” para o seu filho. Mas foi naquele lugar que nos tornámos homens, foram aqueles homens que nos fizeram guardas e SEMPRE lhes agradeci e agradecerei por me terem permitido ser: TROPERO.
Aquela noite de 4 para 5 de novembro de 1975 não poderia ter sido mais decisiva para aqueles que, em reunião liderada pelo nosso chefe Fidel, ali em Ñico López, decidiram o transferência de unidades de combate para Angola, sitiada em diferentes pontos, poucos dias antes de proclamar a sua independência de Portugal e de se constituir como República Popular de Angola.
O oficial René Gattorno, membro daquele primeiro batalhão das Tropas Especiais do MININT, contou o seguinte: «… no dia 5, o Comandante em Chefe reuniu-se com os primeiros voluntários. Ele falou-nos principalmente sobre a invasão sul-africana. Disse que alguns dos instructores cubanos tinham morrido, que a situação era muito difícil, mas que devíamos deter os sul-africanos antes que chegassem a Luanda, e que muitos de nós não regressaríamos. Que era muito difícil para ele dizer isso e não nos acompanhar”.
Enfim, para os cubanos que fomos formados numa profunda vocação internacionalista, havia um único caminho: não deixar o povo angolano sozinho naquele momento crucial. Mas qualquer um daqueles homens seleccionados podia dizer não; a decisão pessoal, com absoluta liberdade, determinava quem partiria ou não para o campo de batalha. Assim começou a Operação Carlota.
Com o objectivo de tomar Luanda, os atacantes do Norte tentaram por duas vezes romper a defesa das FAPLA em Quifangondo, situado a apenas 22 quilómetros da capital. Em ambas as ocasiões, 23 de outubro e 6 de novembro, os agressores foram repelidos pelos combatentes das FAPLA e cerca de 40 instrutores cubanos e seus alunos angolanos do CIR de Dalatando. Mas eles não ficariam satisfeitos.
Em primeiro lugar, e devido à urgência das forças invasoras que se aproximavam cada vez mais da capital angolana, decide-se enviar cerca de 650 companheiros das Tropas Especiais do Ministério do Interior. A primeira companhia chegou a Luanda a 9 de novembro de 1975. No dia seguinte, já estava em plena disposição combativa, destacada em Cacuaco, como reserva das forças angolano-cubanas destacadas em Quifangondo. Bem cedo na manhã de 10 de novembro e como previsto, o combate começou e os atacantes sofreram uma derrota contundente.
Luanda estava salva. Passado um minuto da meia-noite daquele dia 10, o presidente Neto pôde proclamar, numa manifestação multitudinária, o nascimento da República Popular de Angola. Em seguida, nesse mesmo dia 11, sob as ordens do Comandante Díaz Arguelles (Domingo Da Silva, para os angolanos), aquela unidade de Tropas Especiais marchou para o sul para estabelecer uma linha de resistência aos invasores.
Nos dias 13 e 14, duas companhias das Tropas Especiais protagonizaram outra façanha. Derrubaram as pontes sobre o Queve e estabeleceram a linha defensiva Porto Amboim-Gabela-Quibala, que nunca pôde ser ultrapassada pelo inimigo. A 20 de novembro, travaram quatro combates na batalha de Tunga contra a coluna “Zulú”, que foi obrigada a retirar-se.
Três dias depois, Gattorno, no comando de 70 combatentes daquele Batalhão de Tropas Especiais, protagonizou outro feito que marcou um divisor de águas e onde perdeu a vida o primeiro-tenente Juan Tamayo Castro: no combate de Ebo, ao sul da referida linha defensiva.
A acção culminou com uma derrota sangrenta para os sul-africanos, que, ao perderem entre 80 e 90 homens e numerosos carros blindados, ficaram tão desmoralizados que interromperam a sua ofensiva durante vários dias.
Poucas horas após a sua chegada à terra natal de Neto, aqueles companheiros das Tropas Especiais já tinham deixado a sua marca. Infligindo derrotas às forças invasoras que avançavam do norte em Quifangondo. Depois, no sul, as acções ocorreram nas proximidades do rio Queve e na batalha de Ebo. A partir daí, foi tomada a decisão de passar à ofensiva contra as tropas sul-africanas. No final de março de 1976, estas já tinham abandonado o solo angolano.
O impacto dessas derrotas infligidas ao inimigo invasor foi tal que, em documentos confidenciais trocados entre Washington e Havana, pode-se ler uma expressão do então presidente dos Estados Unidos, Gerald Ford, que eu cito: (…) a acção do governo cubano de enviar tropas altamente treinadas para combater em Angola destrói qualquer oportunidade de melhorar as relações com os Estados Unidos (…).
Mas o nosso Comandante em chefe ignorou e criticou a hipocrisia do governo dos EUA que, enquanto questionava a nossa ajuda ao país irmão, conseguia muito “secretamente” transferir várias bombas nucleares para a África do Sul, e o nosso governo sabia disso.
Foram duas etapas em que participámos. A primeira e mais complicada, de novembro de 1975 a meados de 1976, custou a vida a 12 companheiros. E outra a partir de janeiro de 1988, na qual caíram 3 companheiros da nossa 20270.
HOMENS como Juan Bernardo Ruiz Cruz, o mártir mais jovem das Tropas Especiais do MININT, que caiu a 12 de dezembro de 1975 no combate de Catofe, quando tinha apenas 19 anos de idade.
Nos combates do Morro de Tongo, nesse mesmo mês, o Capitão Antonio Tenjido González e Elifet Nápoles Suárez “Katanga” perderam a vida numa emboscada.
No último dia do ano de 1975, ocorreu uma das acções mais corajosas daquela etapa. O primeiro-tenente Jorge Landeiro, chefe de um pelotão de Tropas Especiais, recebeu a missão de expulsar os invasores de duas colinas estratégicas entre Quibala e Cela, mas caiu em combate. O comando é assumido pelo seu segundo, o tenente Arturo Puig, que conseguiu cumprir a missão, mas morre no dia seguinte, 1 de janeiro de 1976, durante um contra-ataque sul-africano.
Quando já parecia que o inimigo reconquistaria a posição, o primeiro-tenente Jesús Rodríguez, no comando de um esquadrão, pediu fogo de foguetes BM-21 sobre a sua própria posição, arriscando as suas vidas para deter o avanço inimigo. Resultado: o inimigo foi aniquilado e o esquadrão, com Jesús à frente, conseguiu sobreviver. Poucos dias depois, outro dos grandes, o capitão Jorge Luis Estebanell, caiu em combate, num confronto em Quibala, em 15 de janeiro de 1976.
Outros teriam de partir no início de 1988. A 5 de janeiro, chega a Luanda, para uma segunda etapa da missão, a primeira companhia do batalhão de Tropas Especiais do MININT, sob o comando do Tenente-Coronel Contreras. A sua primeira missão, ordenada pelo então Comandante Cintra Frías (Polo), foi o seu rápido destacamento para zonas avançadas em Tchipa. A distância a percorrer a pé era de quarenta quilómetros (em linha recta sob o fogo inimigo), o que foi cumprido em apenas dez horas.
Em abril, o chefe da terceira companhia, primeiro-tenente Antonio Fajardo, recebeu ordens para realizar uma exploração em profundidade, calculada em 130 km de ida e volta. A missão foi cumprida, mas na realidade foram percorridos 180 km, incluindo uma operação de comando, na qual foram capturados três veículos blindados sul-africanos. No dia 23 desse mês, o chefe de uma unidade de patrulha, Badel Urtate Ortiz, perde a vida num confronto com o 32º Batalhão “Búfalo” sul-africano.
No mês de maio, outra patrulha da terceira companhia é emboscada por forças do 102º batalhão sul-africano. O primeiro-tenente Néstor Martínez de Santelices Sánchez, chefe da esquadra, e Lázaro Rodríguez morrem em combate.
No mês de junho, ocorre outro acontecimento que será comentado por muito tempo. Os sul-africanos atacavam com a sua artilharia as posições cubanas na região de Tchipa. Não nos deixavam nem mostrar o nariz, como diria um soldado que resistia ao fogo inimigo. Como se não bastasse, os sul-africanos enviam para o local uma das companhias do 61º Batalhão Mecanizado.
Diante da situação crítica, 30 homens das Tropas Especiais com três BMP foram enviados para o local. A cerca de 17 km, eles entram em combate com as forças inimigas. O resultado: quatro carros blindados “Ratel” foram destruídos e outro foi capturado. Foram causadas 20 baixas ao inimigo, obrigando-o a recuar. Fim do assédio às nossas forças.
E assim, muitas seriam as missões que as nossas Tropas Especiais do MININT escreveriam para a história, páginas de infinita CORAGEM. Nenhum desses HOMENS buscava mais glória ou mérito do que servir e cumprir com HONRA a missão que lhes foi confiada.
Para TODOS, o mais valioso e reconfortante, sem dúvida, era ouvir palavras como estas: “(…) Vocês que hoje regressam vitoriosos, hoje comportam-se com a NATURALIDADE e a DECÊNCIA de quem pensa que não fez nada de extraordinário, de quem pensa que simplesmente cumpriu o seu dever, mas vocês nem sequer têm consciência de ter contribuído para mudar a história do mundo (…)”.
HOMEM DA TROPA: A CORRENTE NÃO ELETRIFICA, A ÁGUA NÃO MOLHA, O ARAME NÃO PICA…!
Aos nossos mortos na guerra de Angola. Aos nossos mortos caídos em diferentes cantos do mundo, embora as suas histórias não sejam conhecidas, mas que hoje integram a gloriosa lista de Mártires das Tropas Especiais do MININT e da Pátria…
A NOSSA HOMENAGEM HOJE E SEMPRE
HONRA E GLÓRIA ETERNA!

