Artigos de OpiniãoImad al-Hatba

A geografia entre Gaza e Sweida

Washington não desenvolveu o seu plano de ajuda a Gaza para salvar a sua população, mas para garantir a execução de um massacre provocado pela fome. As repetidas visitas de Thomas Barrack à região não visam acalmar a situação, mas garantir a continuação da crise até que todas as forças de resistência se esgotem.

O ataque à província de Sweida não foi uma surpresa, considerando como a autoridade de facto em Damasco lidou com a questão das minorias religiosas.

No entanto, a magnitude e a atrocidade do crime suscitaram muitas perguntas sobre o objectivo de usar clãs e gangues terroristas não sujeitos à autoridade de al-Golani, além das forças de segurança e do exército, neste massacre.

Isso indica que o massacre em si era o objectivo, e não o controle da região que se recusou a submeter-se à autoridade de Damasco, nem mesmo purgá-la dos chamados remanescentes do regime anterior.

A pergunta mais importante: o que aconteceu foi simplesmente uma manifestação do terrorismo takfir, já conhecido por todos, ou existe um plano premeditado relacionado especificamente com a província de Sweida?

Se seguirmos a sequência cronológica dos acontecimentos, encontramos uma série de paradoxos que surgiram rapidamente, especialmente se os compararmos com os massacres que ocorreram e ainda continuam na região da costa síria.

Um ataque surpresa de grupos terroristas à província de Sweida e o início de massacres coletivos baseados na limpeza sectária, como os próprios agressores declararam nos seus vídeos.

A população da região repeliu o ataque com um sucesso razoável. Apesar disso, surgiram vozes locais pedindo protecção internacional, especificamente israelita.

As forças de segurança e o exército mobilizaram-se para Sweida sob o pretexto de mediar o conflito entre as duas partes, para depois se envolverem na batalha ao lado dos grupos armados. 

O inimigo sionista interveio bombardeando as concentrações dos milicianos e das forças de segurança, e chegou até Damasco sob o pretexto de proteger os drusos.

Em seguida, chegou-se a um frágil acordo de cessar-fogo com o patrocínio dos Estados Unidos, da Turquia e da Jordânia, e com a bênção de Israel.

Os resultados: a região sul da Síria, desde o triângulo sírio-palestiniano-jordaniano até à fronteira iraquiana, ficou sob a protecção e influência israelita.

A região oriental da Síria, desde a base de Al-Tanf até à fronteira turca, ficou sob a influência americana.

Qualquer força que pudesse constituir um foco de resistência que afectasse a rota que liga a entidade sionista à região do Curdistão iraquiano e à fronteira sul da Turquia foi expulsa.

A imagem é reforçada com o abandono das armas por parte do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e a sua integração na vida política turca.

Do lado libanês, aumentam as pressões sobre o Hezbollah para que entregue as suas armas em todo o território do país.

O enviado norte-americano Thomas Barrack realiza esforços intensivos que oscilam entre a persuasão, ao falar das armas do Hezbollah como uma questão interna libanesa, e a intimidação, ao garantir que os Estados Unidos não são garantes do acordo de cessar-fogo no Líbano e que não têm capacidade nem interesse em pressionar “Israel” para que se retire do sul do Líbano ou cesse os seus repetidos ataques às zonas libanesas para proteger a sua segurança. 

Ao mesmo tempo, forças libanesas conhecidas pela sua lealdade aos Estados Unidos e ao inimigo sionista, e pela sua hostilidade em relação ao Hezbollah, são activadas para exercer mais pressão política e económica sobre o partido. Talvez a mais notável dessas pressões tenham sido as medidas tomadas pelo Banco Central do Líbano contra a instituição Al-Qard Al-Hasan.

Em Gaza, o massacre continua, militar e humanitariamente, com a pressão exercida através do corte quase total da ajuda alimentar à Faixa e dos ataques deliberados com fogo de atiradores furtivos contra os cidadãos que se dirigem aos centros de distribuição da ajuda estadounidense.

O número de vítimas da fome aumenta diariamente e o perigo de um aumento drástico de mortes em questão de semanas tornou-se iminente se o corte de ajuda continuar.

O problema ultrapassou as crianças e afectou todos os habitantes da Faixa de todas as idades.

No seu discurso perante o Conselho de Segurança da ONU em meados de julho de 2025, a Directora executiva da UNICEF disse que a guerra em Gaza custa a vida de uma média de 30 crianças por dia, e que este número pode duplicar ou triplicar se a guerra e o cerco continuarem por mais semanas. 

Ela também falou de um milhão de crianças palestinianas que sofrem problemas que vão desde a falta de alimentos, água potável e abrigo até a perda de suas famílias.

Diante da actitude positiva da resistência em relação aos projectos de acordo de cessar-fogo e sua confirmação de aceitar não participar da administração de Gaza após chegar a um acordo final para deter a guerra, levantamos novamente a questão: qual é a justificativa para usar esse nível assustador de força na matança e a insistência deliberada na fome? 

Existe uma relação entre os objetcivos do massacre e o apelo de Mahmud Abbas para a realização de eleições para o Conselho Nacional Palestino sob as condições da autoridade de Ramala?

Vamos tentar traçar o mapa da região tal como é concebido pelas potências coloniais e seus aliados na zona. Uma rota que se estende desde o norte da Palestina ocupada, passando pelo sul e leste da Síria, até ao norte do Iraque e à fronteira turca, e que se cruza com uma rota proveniente do leste da península arábica que passa pelo leste da Jordânia, perto da fronteira iraquiana. 

Outra rota, proveniente da região do Golfo (a rota comercial indiana), chega por ferrovia ao noroeste da Arábia Saudita através da cidade de Neom e atravessa o sul da Jordânia para entrar no sul da Palestina até o porto de Ashdod.

Os resultados: neutralização do papel do Irão no Mar Vermelho e no Mar Arábico; imposição de mais pressões sobre o Egipto, como último país árabe forte com capacidades económicas e militares; controlo total sobre a maioria das rotas comerciais mundiais; e garantia da protecção e controlo dessas rotas sem necessidade de ocupação directa, através da eliminação de todas as forças de resistência.

Como disse um jornalista, “Israel” não interveio na Síria para proteger os drusos, mas para proteger os seus interesses e a sua influência.

E posso dizer que os Estados Unidos não conceberam o plano de ajuda em Gaza para salvar quem vive em Gaza, mas para garantir que o massacre da fome cumprisse os seus objectivos.

As repetidas visitas de Thomas Barrack e Steve Witkoff à região não têm como objectivo a distensão, mas sim assegurar a continuação da crise até esgotar todas as forças de resistência na zona.

A tarefa não é fácil, especialmente diante da submissão total do sistema oficial árabe e da maioria das forças políticas a ele ligadas, incluindo as da oposição, para as quais as migalhas eleitorais se tornaram o ápice do seu projecto de luta.

O que é necessário é resistência e mais resistência, e apoiar todas as ideias ou atividades de resistência por todos os meios.

Acordar todas as manhãs para nos perguntarmos o que ofereceremos aos resistentes.

Enquanto a ideia da resistência arder nas mentes e nos corações, eles não vencerão, mesmo que ganhem uma ou mais batalhas.

A guerra é longa, e o importante é a perseverança, a vontade e a disposição para o sacrifício.

Fonte:

Autor:

Imad al-Hatba

Imad al-Hatba, Escritor político jordaniano

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