Venezuela e Estados Unidos: as relações melhoraram?
A aceitação dessa aberração responde apenas às necessidades de Trump de manter o equilíbrio e manter unidos os grupos contraditórios que se reuniram, «colados com chiclete», em sua administração.
Os governos da Venezuela e dos Estados Unidos conseguiram estabilizar uma linha de comunicação permanente. Isso deve-se mais a definições internas nos Estados Unidos do que a uma melhoria real nas relações entre os dois países. Finalmente, nos Estados Unidos, a proposta pragmática MAGA (Make American Great Again) está a prevalecer sobre a ideologia dos neoconservadores liderados por Marco Rubio.
A situação internacional e a aceitação de que a China é o principal inimigo de Washington têm vindo a ganhar espaço na cúpula do poder estadounidense, levando boa parte da liderança da administração a compreender esta situação, obrigando os neoconservadores e Marco Rubio a ceder.
A sua política de pressão máxima (que hoje na Venezuela só é defendida pelo grupo de María Corina Machado) fracassou. A producção e exportação de petróleo estabilizaram-se e até cresceram um pouco acima de um milhão de barris por dia. Em grande parte, isso foi possível graças ao apoio da China, que parece assumir uma posição mais activa em relação às suas relações económicas e comerciais com a Venezuela, aumentando as compras de petróleo e preenchendo o vazio deixado pela suspensão das licenças especiais concedidas à Chevron para operar na Venezuela, apesar das sanções. Enquanto a política estadounidense orientada para o derrube do presidente Nicolás Maduro continua naufragando na Venezuela, a visão estratégica do presidente Xi Jinping acabou se impondo ao curto prazo e ao mero interesse lucrativo dos empresários chineses.

Neste contexto, a libertação de 252 migrantes venezuelanos que foram detidos nos Estados Unidos e enviados para uma prisão em El Salvador foi uma expressão pública de uma aparente melhoria nas relações. Na realidade, o que ocorreu foi uma melhoria na comunicação. Se não fosse assim, não haveria motivo para continuar a associar o governo da Venezuela ao crime organizado e ao narcotráfico, que continuam presentes na visão e na rectórica política do Departamento de Estado.
Além disso, também retornaram crianças que haviam sido sequestradas nos Estados Unidos e separadas de seus pais, embora 33 delas ainda estejam detidas ilegalmente por Washington. Não se descarta que Marco Rubio, em sua aberrante obsessão por derrubar o governo da Venezuela, queira usá-los como moeda de troca em favor de alguma de suas habituais maldades. Neste contexto, as licenças especiais da Chevron foram restabelecidas e a empresa voltará a operar na Venezuela, embora não esteja autorizada a pagar em dinheiro ao país.
Em troca, a Venezuela teve que pagar um preço alto: teve que libertar 10 terroristas estadounidenses presos no país e um grande número de terroristas venezuelanos militantes dos partidos da oposição radical que haviam cometido crimes puníveis pela Constituição e pelas leis. O próprio Marco Rubio reconheceu que não havia motivos para manter os migrantes venezuelanos presos nos Estados Unidos e que eles eram apenas reféns para serem trocados por seus compatriotas. Sabe-se até que um deles é um assassino confesso que já foi julgado em Espanha.

Finalmente, a política conduzida pelo enviado especial Richard Grenell impôs-se à posição extremista de Marco Rubio. O interlocutor do governo da Venezuela tem estado em comunicação permanente com ele. A posição de Grenell é que a Venezuela não tem tido uma postura agressiva contra os Estados Unidos e que, finalmente — no âmbito de uma visão de absoluto pragmatismo —, garantiu que a Venezuela nunca se recusou a vender petróleo aos Estados Unidos, o que é totalmente verdade.
Também não se recusou a repatriar os migrantes, utilizando até mesmo aviões venezuelanos para ir buscá-los, libertando Washington de pagar por essas operações que, a esta altura, são quase diárias e que trouxeram um número quantitativamente pequeno de migrantes de volta ao país, mas que tiveram um enorme impacto mediático, emocional e simbólico como expressão da vontade do governo de enfrentar esta situação que teve a sua origem na designação da Venezuela, por parte de Washington, como uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, com as consequentes repercussões que isso tem tido por mais de dez anos.
Por outro lado, as mentiras de Rubio foram reveladas. Ele disse que a “libertação” de líderes terroristas asilados na embaixada da Argentina em Caracas tinha sido uma operação das forças especiais dos Estados Unidos, quando na verdade foi resultado de uma negociação com Grenell. Agora, ele disse que pressionou Maduro para libertar os americanos presos, quando na verdade também foi resultado de outro acordo com o enviado especial de Trump. Com isso, a posição de María Corina Machado, principal aliada de Rubio na Venezuela, ficou ainda mais enfraquecida e desacreditada.
Neste momento, na lógica de Trump, a Venezuela deixou de ser um problema e ele está a concentrar-se naqueles que realmente são (segundo sua lógica) e por diferentes razões: México e Colômbia pelo narcotráfico e envio de drogas para os Estados Unidos e Brasil porque, sendo uma potência industrial, compete com as empresas americanas.
Quando as circunstâncias obrigaram Trump a entregar o Departamento de Estado aos neoconservadores e ele teve que nomear Rubio contra a sua vontade para esse cargo, ele compensou isso com a nomeação de 24 enviados especiais que não respondem a Rubio, mas a ele. Com esses enviados, que cuidam dos aspectos mais importantes e estratégicos, Trump administra o essencial da política externa dos Estados Unidos. De facto, diante da perda de protagonismo do Departamento de Estado, Rubio foi obrigado a reduzir seu quadro de funcionários, despedindo centenas de diplomatas de carreira e outros funcionários.

Em troca, Trump entregou a Rubio a gestão da política para a América Latina e o Caribe, que não reveste grande interesse para Trump e que, na realidade, está a ser gerida pelo Pentágono através do Comando Sul das Forças Armadas. Nessa medida, a região está a sofrer o impacto mais forte do ódio daquele a quem Trump chamou de “o pequeno Marco”. No caso da Venezuela, por ser um país petrolífero, a agenda bilateral ultrapassa as suas possibilidades, pelo que cada vez mais o poder de decisão está a ser transferido para Trump, através de Grenell.
Em resposta aos avanços na comunicação entre a Venezuela e os Estados Unidos, e perante o desespero de Rubio e a sua perda de protagonismo, o Departamento de Estado, através do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, declarou que o “Cartel dos Sóis”, uma criação artificial dos Estados Unidos supostamente formada por altas autoridades da Venezuela, era uma organização terrorista. Em seguida, acusou o presidente Maduro de ser o chefe dessa criação, acusando-o sem qualquer fundamento de ter ligações com o Tren de Aragua, outra organização criminosa destruída na Venezuela pela acção decidida do governo, mas que Washington mantém viva com sua rectórica para argumentar a favor de sua política em relação à Venezuela.
Da mesma forma, e para dar um âmbito internacional à ideia, o Departamento de Estado acrescentou uma facção do Cartel de Sinaloa, acusada de ser uma das principais organizações que introduz drogas nos Estados Unidos, como parte do imaginário triunvirato do poder mafioso que só existe na mente febril e perversa da extrema direita terrorista dos Estados Unidos.
A aceitação dessa aberração responde apenas às necessidades de Trump de manter o equilíbrio e manter unidos os grupos contraditórios que se reuniram, “colados com chiclete”, em sua administração.
Fonte:
Autor:
Sergio Rodríguez Gelfenstein
Consultor e analista internacional venezuelano, licenciado em Estudos Internacionais e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Central da Venezuela. Doutor em Estudos Políticos pela Universidade dos Andes, Venezuela. Publicou artigos em revistas especializadas de Porto Rico, Bolívia, Peru, Brasil, Venezuela, México, Argentina, Espanha e China. Escreveu 22 livros e 6 em coautoria. Os mais recentes são: “Ayacucho, a maior vitória do Novo Mundo” (2024), “Três pilares da resistência porto-riquenha no século XX” (2024), “China no século XXI, o despertar de um gigante” (2023), 2 edições em 9 países. Prémio Nacional de Jornalismo 2016. Ex-diretor de Relações Internacionais da Presidência da Venezuela. Ex-embaixador da Venezuela na Nicarágua. Desde março de 2016, é investigador-docente convidado da Universidade de Xangai, China, e, desde 2023, professor do doutoramento em Segurança Integral da Nação na UNEFA, Venezuela. Desde 2023, é investigador do Centro de Estudos Latino-Americanos Rómulo Gallegos (Celarg). Eleito por 7 revistas de ciências sociais entre os 12 intelectuais mais influentes da atualidade na Venezuela em março de 2025.

